João Gilberto Saraiva

desenvolvedor de software | professor | escritor


A arte do onboarding | João Gilberto Saraiva

A arte do onboarding

17-01-2024

Abrir uma porta e sentir que todas as pessoas daquela sala estão te olhando. Há uma sensação estranha quando somos recém-chegamos em um novo lugar, ela só vai sumir inteiramente quando nos sentirmos integrados. Ao entrar em uma empresa ou projeto, há um período de adaptação e absorção de conhecimento mínimo sobre pessoas, processos e produtos. Esse período, comumente chamado de onboarding, é fundamental para que o novo membro da equipe possa se situar e começar a contribuir de forma mais rápida e efetiva

Cada empresa e time tem processos mais ou menos estruturados de onboarding, que variam em período de tempo total e horas semanais dedicadas a isso. Geralmente, é um período de ansiedade do novo membro da equipe e de descobertas mútuas. Um amigo que passou diversas vezes por esse processo nos dois lados da mesa diz que não há como esperar uma atuação a 100% da capacidade de alguém antes de três meses.

Eu particularmente sou bem atuante em onboardings. Aprendi com meu ex-líder técnico, Nilson Júnior, que é essencial dar todo suporte possível aos recém-chegados. Atentar aos acessos, cerimônias, questões técnicas, etc. e também aos aspectos humanos do processo. Além disso, tendo entrado no mercado de tecnologia depois dos 30 anos com ampla experiência em outras áreas, eu trouxe na bagagem algumas estratégias para acelerar meu onboarding e o de outras pessoas.

O objetivo do onboarding é se situar e começar a contribuir mais rápido e melhor com o time. Aqui vão cinco pontos-chave para isso:

As perguntas do detetive

Ao chegar em um novo ambiente com pessoas que também não conhecemos, geralmente há uma série de dúvidas. Historiadores, médicos, investigadores criminais e pesquisadores das mais diversas áreas compartilham uma estratégia relacionada ao método científico, um conjunto base de perguntas que cabem nos dedos de uma mão. São elas: O quê? Quando? Onde? Como? Por quê?. Elas são um norte para abordar o que vamos conhecendo e também facilitam a reflexão sobre as lacunas de conhecimento que precisamos sobre o novo trabalho. A estratégia é ir anotando, seja no computador ou mesmo em um caderninho, as informações mais relevantes do que vai sendo obtido em chamadas, chats, boards, documentação, etc. e também as novas dúvidas. Por que anotar? Por em palavras ajuda a definir melhor nossas respostas e perguntas, delimitando o escopo e fazendo conexões com outros saberes que já dominamos.

As regras do jogo

As cinco perguntas do detetive são um excelente ponto de partida para a integração de um novo membro em um time. Elas ajudam a entender a empresa, a estrutura e os processos. Mas, para atuar de forma eficaz, é preciso também entender o negócio. Todo software está inserido numa conjuntura própria atendendo demandas específicas. Vale se perguntar: quem é o cliente final da aplicação? Qual o valor que ela entrega para a o cliente? Quais as iniciativas em desenvolvimento e seus principais desafios? Por que elas foram escolhidas? Como esse app se diferencia dos seus concorrentes? Como está o mercado global e nacional desse negócio? Quais os jargões da área? Em uma outra direção você pode lançar perguntas semelhantes sobre tecnologias e ferramentas. Quais você tem domínio? Quais não? Estão atualizadas? Questões como essas nos contextualizam melhor para atuar e nos colocam mais rápido no mesmo nível de conhecimento dos colegas e dos clientes.

É provável que você descubra que parte do time técnico conheça pouco do negócio, pois cada um se foca na sua tecnologia e papel específico. No entanto, isso pode facilitar também a sua atuação técnica, o entendimento das demandas que chegam para o seu time e a qualificação do que você desenvolve no dia a dia.

As expectativas e as pessoas

A entrada de um novo membro em um time é acompanhada de uma série de expectativas. Além da ansiedade e das primeiras impressões do recém-chegado, existem as projeções de lideranças, colegas e clientes sobre ele. É fato, a relação primordial do ambiente de trabalho, antes de qualquer tecnologia, ferramenta ou regra de negócio, é com as pessoas. Uma empresa é um microcosmo da sociedade, com pessoas mais e menos falantes, abertas a ajudar, proativas, introspectivas, etc. É com elas que você lidará 40 horas por semana via chamada de vídeo, chat, e-mail, etc. Entender qual a responsabilidade de cada pessoa é relevante, mas mais ainda o que cada uma faz e como elas são no dia a dia, para além do cargo que ocupam.

Em outra direção, vale entender o que esperam de você. Você veio para substituir alguém que tinha um papel relevante A? Para suprir a falta de pessoal na tecnologia B? Para ajudar a gerir o time? Para ser a liderança técnica? Ter isso claro ajuda a gerir mais rapidamente o que se espera de você e evita embarcar em projeções irreais sobre si mesmo. Tendo ideia do que se espera, é mais fácil abrir sua caixa de ferramentas técnica e pessoal e contrastar suas habilidades com as projeções.

Em um bom processo seletivo, os profissionais já fizeram entrevistas e outras etapas que mapeiam minimamente sua “caixinha de ferramentas” e comparam com as necessidades da vaga. É claro que os recrutadores reúnem indícios, mas é possível haver surpresas positivas e negativas.Para quem mudou de área, trazer habilidades úteis de outras profissões e contextos é muito produtivo. Independente da empresa e do cargo, a habilidade de lidar com pessoas será essencial. No entanto, você pode estar coçando a cabeça e pensando: “Mas eu não sei lidar bem com pessoas”. Bem, é hora de começar a aprender.

Para quem não sabe onde ir, todos os caminhos levam a lugar nenhum

Uma vez que você tem um entendimento mínimo das regras de negócio e tecnologias, das pessoas e expectativas é hora de traçar caminhos. Digamos que você constatou que conhece pouco do negócio W ou da forma como a tecnologia X é utilizada no projeto, ou então que há uma necessidade Y para a qual você pode contribuir usando sua “caixinha de ferramentas” e novas habilidades. Este é o momento de procurar um modo de suprir as lacunas e oportunidades, seja a partir de um livro, curso, projeto de estudo, entre outras opções. Pode ser algo atingível em uma semana ou em meses, o importante aqui é identificar um norte, uma direção a seguir. Não precisa ser um grande plano, delineado nos mínimos detalhes, mas sim ter em mente linhas gerais do que é necessário melhorar e do que você pode contribuir.

É comum empresas terem avaliações semestrais de desempenho e planos de desenvolvimento individual acompanhados pelos gestores. Colocar os pontos que você deseja evoluir dentro desse planejamento é uma boa estratégia. Isso ajuda a estruturar objetivos e as formas pelas quais você pretende alcançá-los. O diálogo com chefia e colegas ajuda a produzir planos realistas, considerando o tempo e recursos disponíveis, bem como seu nível de conhecimento sobre a questão escolhida.

Ação individual, processo coletivo

A figura central do onboarding é quem está chegando. Os holofotes estão sobre ele, o que pode gerar uma ansiedade e medo consideráveis. Se bater um desconforto maior, vale procurar o apoio daquelas pessoas mais receptivas no novo trabalho, dos amigos e das comunidades de que você participa. Você não está só! Eu recomendei ao longo desse texto um papel ativo e interesse genuíno em aprender os processos e se aproximar das pessoas. Essa é a chave para torná-lo mais rápido e efetivo. Só que, é claro, o onboarding é um processo coletivo, envolve gerência, liderança técnica e o time como um todo. Quanto mais as pessoas forem receptivas e existirem ações estruturadas para a chegada de novos membros, mais rápido e menos “sofrido” será o processo.

Se você já esteve em outro time ou empresa, avalie sua própria experiência de como foi sua chegada. O que foi bom? O que faltou? O que você poderia ter feito para torná-lo mais fácil? Essa reflexão vai ajudá-lo em um novo onboarding. Mesmo que você não tenha uma experiência anterior, vale conversar com outras pessoas sobre seus onboardings. Elas trarão perspectivas de outras empresas/times e avaliarão o que deu certo ou não dos dois lados da mesa.

Em resumo, o onboarding é um processo de descoberta que pode gerar ansiedade, estresse, reflexão e até diversão. É uma oportunidade de conhecer uma nova área e modos de fazer distintos do que você está acostumado. É também um momento de apreciar novos caminhos, pois geralmente há menos carga de responsabilidades, uma vez que ainda estão sendo criados os acessos e outras formalidades. Aproveite!

Imagem: Apollo 11 momentos antes de pousar na Lua. Fonte: OpenVerse - licença Creative Commons 2.0.